Aos poucos e bons. Sempre.

Aos poucos e bons. Sempre.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Aos bons médicos. Com carinho.

 
Esse meu espaço era pra ser um rascunho divertido. Quase que como uma cartase-psicológica-desenhada em letras de forma. Mas, hoje tive a imensa necessidade de escrever algo de cunho mais sério do que as pinceladas rotineiras sobre meus devaneios.
Li muito a respeito do assunto que vou tratar brevemente. Aliás, sempre antes de tecer uma opinião formada sobre algo que me incomoda na vida pública, procuro me informar. E reforço aqui que "me informar" significa ler jornais, ler artigos na internet, conversar com pessoas diferentes sempre com a TV desligada. E devo confessar que de uns dois meses pra cá, minha TV não suporta nem mais a novelinha básica. Está mais silenciosa que um mudo nascido desde o seu parto. Talvez seja a idade. Talvez, finalmente, tenha criado um esboço de um senso crítico-político de verdade e tímido.
Vejo e observo muito a movimentação tedenciosa de todos criticarem a classe médica. Quase que os tachando como "mercenários". Fato esse veio com a discussão sobre o estado de calamidade que se econtram nosso SUS juntamente com a idéia do Sr. Padilha em acrescentar mais dois anos no currículo dos médicos.
E como uma bala Mentos mergulhada em  Coca-Cola devo dizer que o "Ato Médico" explodiu e derramou a falta de cuidado e assistência aos pacientes.
Pude perceber também que esse tipo de comentário e posição sempre vem das pessoas que nunca se quer entraram em um hospital público. Já que as carteirinhas de seus convênios são passadas de pai para filho. Assim como em minha casa. Meu filho nunca entrou em um PS Infantil onde precisou esperar por seis horas para ser atendido.
Pois bem.
Eu, que hoje sou "mercenária" e cresci profissionalmente, não trabalho mais na assistência direta aos doentes como devia traçar aquele papel que assinei há 11 anos atrás. Sou enfermeira que trabalha pra uma multinacional na área comercial.
Entretanto, trabalhei lá (naqueles hospitais de passam na TV) por 8 anos. E que foram essenciais pra minha formação. Tanto profissional quanto pessoal.
E vou contar o que eu como enfermeira já fiz por uma dignidade para meus pacientes.
Já comprei fralda e álcool na farmácia antes do plantão.
Já paguei o dinheiro de um ônibus pra uma mãe voltar para casa.
Já lavei roupa de paciente na minha casa.
Já comprei roupa pra paciente.
Já dei dinheiro pra uma "vaquinha" para comprar um curativo adequado para uma ferida.
Já ninei uma criança no colo porque a mãe não tinha dinheiro pra voltar ao hospital.
Já decidi qual paciente ia poder ocupar uma vaga na UTI.
Já dei a notícia pra uma mãe que seu filho não ia operar por falta de material mesmo ficando na fila de cirugia por dois anos.
Já decidi qual paciente iria receber um medicamento, mesmo sabendo que dois precisavam dele.
Já briguei por maca.
Já usei material da área VETERINÁRIA porque era mais barato e estava disponível ao meu setor.
Já briguei com a lavanderia porque só tinha dez cobertores e fazia 10 graus. E eu tinha 25 pacientes.
Pois bem.
Isso é mérito que veio com o diploma?
Não.
Agora vou contar o que eu presenciei como enfermeira assistencial do lado de um bom médico.
Dois dias acordados e dez cirurgias com sucesso.
Salvar a vida de alguém a meia-noite de um dia 31 de Dezembro com os mesmos materiais de uso veterinário.
Dormir sentado na cadeira do lado do doente.
Não ter o fio de sutura adequado pra terminar a cirurgia.
"Eu fiz, mas não fiz o melhor porque não tinha Vycril 1.0".
"Quanto é aquele curativo que não temos?"
"Vou pagar metade".
"Passei visita. Liberei dieta pastosa. Será que dá pra você conseguir um Danoninho?".
"Não aqui" - eu respondo.
"Vamos comprar".
Isso é mérito que veio com o diploma médico? E agora com mais dois anos no SUS?
Não.
E aqui depois dessas minhas lembranças, tenho a audácia de escrever o que encontro hoje com alguns profissionais médicos com que tenho contato hoje trabalhando lá na ponta do icebergue. Os diretores dos hospitais dos SUS.
"Quanto vou ganhar com isso?"
"Quer o seu produto no MEU hospital?"
"10% da venda vem pro meu bolso".
A questão é:
A assistência do SUS nunca vai melhorar enquanto uma boa enfermeira e um bom médico estejam trabalhando da melhor maneira que conseguem com escassos recursos.
Digo humildemente escassos: infra-estrutura.
E se eu pudesse mudar o mundo, não acrescentaria mais dois anos de medicina,
Só levaria um Sr. Sarney ou um diretor de um hospital público que esteja corrompido com o sistema brasileiro não a um hospital privado. E sim, aquele que eu e esses excelente médicos que trabalhei.
Talvez a falta de cobertor o faria desviar menos verba aos que precisam: pacientes e profissionais.