Aos poucos e bons. Sempre.

Aos poucos e bons. Sempre.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

E foi nesses dias assim...

Ontem aconteceu comigo algo estranhamente curioso durante o final da tarde. Dessas lições silenciosas que a vida sopra em um vento morninho que arrepia sua nuca e lhe deixa com a certeza que você é um ser em aprendizado. Aprendiz do cotidiano. Como de costume, fui buscar meu filhote na creche. Ao chegar em casa, decidi ficar com ele no parquinho do condomínio. Ele, um cara magrelo com cabelos cor de caramelo, sorriso separado e olhinhos amendoados. Um bebezão com dois anos e meio, que mês passado tive o susto de perceber que é introvertido com os amigos, apanha mais do que bate, sempre fica por último nas atividades e prefere a solidão a disputar um brinquedo em meio de tantos meninos e meninas de três anos com almas briguentas, hiperativas, espertas e rápidas. Logo correu na frente com suas canelinhas roxas, fiquei para trás caminhando devagar como se tivesse oitenta anos de idade a passos pequenos. Ecoava pelo parquinho uma gritaria de rua cheia de criança. “Ele tá guardando caixão!!! Assim não vale!!!”, “Carniça, tá com você agooorraaa!”, “ Caraca, duvido alguém correr como essa garota!!!”.Fui chegando próximo aos brinquedos de madeira que ficam bem no meio de um gramado bonito e bem cuidado, com duas ou três árvores capengas de folhas e ricas em flores. Sentei em um banco de madeira branco que fica próximo aos brinquedos, procurei pelo meu moleque mas não o achei logo a primeira vista. Havia cerca de uns seis meninos brincando de pique-esconde (ou esconde-esconde). E uma menina. Sorri mentalmente pelo simples fato de que naquele quase anoitecer tão agradável havia crianças brincando e correndo ao ar livre. E livre estavam das TV´s, computadores, MP3, vídeos-games e lap-tops. Longe estavam dos biscoitos recheados, dos refrigerantes, dos salgadinhos e de batatas fritas ensacadas. Corriam suando, sorrindo e voando por meio da suas respectivas infâncias e inocências. Depois fui analisando um a um que estava correndo. Um garoto obeso e negro. Outro dentuço e descabelado. Outro magrelo de pernas tortas. Outro desengoçado de tão grande que tropeçava em seus próprios pés. Outro com uma franja enorme que caía nos olhos e que balança a cabeça para o lado enquanto corria para a franja sair da sua visão. Outro pequeno e de nariz grande, subindo a bermuda que estava grande para seu tamanho. E uma única menina. Loira de cabelos compridos quase brancos, bermudão de tactel estampada e um all-star de uma cor em cada pé. Realmente nenhum daqueles garotos corria como ela. Ri com a brincadeira dinâmica e sorridente de todos eles. Pude perceber que nenhuma daquelas crianças que estava ali representava o melhor da beleza esperada por nenhum pai e nenhuma mãe. Mas estavam felizes e harmonisos brincando juntos, sem brigas, sem disputas agressivas ou maldades veladas em palavras. Simplesmente aceitavam uns aos outros e naquele momento todos eram iguais, com seus apelidos esquisitos e roupas de marcas caras. Não importava quem tinha mais dinheiro, ou um celular mais caro. Ali eram almas livres, com sorrisos puros e que somente a infância consegue arrancar de um ser humano que não se tornou um adulto. Acompanhei por uns dez minutos. De repente, não mais que de repente, vem correndo meu moleque, pequeno, magrelo, desengonçado, saltitando por entre aquela turma. Fiquei apreensiva por um instante. Achei que eles iriam passar por cima dele como um rolo compressor, deixando-o frágil. Ele correu em direção à árvore em que as crianças batiam a mão e gritavam seus respectivos nomes, bateu as duas mãos e riu como se tivesse conseguido vencer a maior de todas as batalhas de sua pequena grande vidinha. Todos pararam por um instante de segundos e ficaram olhando para ele. Receberam um sorrisão separado do meu moleque. Se entreolharam e todos riram de volta pra ele. Meu filhote correu em minha direção ao banco de madeira branco e disse: “Você viu mamãe? eu tava brincando com os amigos grandes.” Abracei meu filho. Ele estava feliz e radiante. E foi assim, simples assim, que percebi que muitas vezes o que estragam os seres humanos pequenos são os adultos grandes ditando regras de beleza, atitude e comportamento. Tive a prova que por elas, todas são iguais, não importa sua idade, cor, roupa, cabelo, comportamento: afinal, para brincar não são necessários pré-requistos. As crianças muitas vezes se aceitam e se ajeitam do jeito que são. Mas por que será que elas precisam mudar? Pois é, elas não precisam. Quem precisa somos nós. Decidi continuar a ser uma criança grande. E você?