Aos poucos e bons. Sempre.

Aos poucos e bons. Sempre.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009




Estive pensando em escrever sobre pessoas.
Não somos órfãos de bons sentimentos. Para exemplificar esse conceiro, temos que observar com mais cuidado e cautela algumas atitudes e situações diárias que muitas vezes passam desapercebidas por nós. Se fizermos isso, brilhará a beleza dos homens. E das mulheres. E, indiscutivelemente e não menos importante, das crianças.
Eu sou paulista. Lembro-me de um dia em que estava voltando pra casa depois um dia cansativo de labuta. Daqueles finais de tarde paulistanos regados a duas horas de trânsito para chegar em casa. A brisa que vinha da janela do carro era quente e quase que as cinzas da fumaça dos carros encobertavam a cor alaranjada do sol que por pouco passava desapercebido em meio das nuvens poluídas em sua essência. O farol (ou sinal como prefirirem) ficou vermelho, parei um pouco antes da faixa de pedestre. Enquanto aguardava minha ordem silenciosa para seguir, segurei com a mão minha cabeça demostrando meu cansaço corporal e meu tédio mental. Repentinamente ao olhar para meu lado esquerdo, ao alto, em uma passarela de pedestre que servia para atravessar a via férrea que beirava a avenida onde eu estava, observo uma garotinha de braços abertos e com as mãos para cima. Curiosa com o que eu estava vendo, virei quase que todo meu corpo no banco do carro para tentar entender melhor aquela cena. Sua mãe – eu suponho – estava logo atrás no início da passarela e a garota estava no meio, virada para onde estava o sol. A cor clara dos raios solares clareavam a imagem de menina. Ela sorria. Daquele sorriso de criança que transmite paz e que faz qualquer coração se acalmar. O vento balançava seus cabelos castanhos claros até o ombro. Ela fechava os olhinhos como se sentisse cada instante daquele soprar de final de tarde.Tinha um vestido de tiras até o ombro, mas não me lembro a cor. A senhora que vinha logo atrás, ao ver a garota tendo aquela atitude de reverenciar o pôr do sol , também sorriu. Andou um pouco mais depressa e para alcançá-la e a abraçou. Um abraço cordial e confidente. Talvez regado de amor, não sei. Segurou a mão pequena da menina e as duas continuaram a andar pela passarela, mas agora, uma estava fazendo companhia a outra, como amigas. Mãe e filha. Sobrinha e tia. Neta e avó. O sinal abriu, tive que seguir com o carro e as perdi de vista. Entretanto, não pude deixar de guardar aquela imagem no meu relicário, junto com tantas e tantas imagens que poderiam falar por si só como em um cinema mudo. Sorri também e pude lembrar na beleza dos seres e guardei aquela singela lembrança.
Outro dia, estava em uma padaria na Zona Sul do Rio de Janeiro, onde moro, e aguardava na fila do caixa para pagar o que eu havia comprado. Haviam duas pessoas na minha frente. Uma senhora que aparentava seus setenta e cinco anos, arrumadíssima como quase todas as mulheres idosas cariocas, de cabelos grisalhos presos com grampos de pedraria, batom vermelho, com um lenço azul marinho em volta do pescoço que cuidadosamente combinava com uma camisa de alfaiataria branca e calça bege. Cheia de adornos coloridos e anéis nos dedos anulares. Carregava uma bolsinha marrom de couro em seu antebraço. A mulher do caixa falou o valor das compras da senhora. Ela, com certa dificuldade, abriu a bolsa e retirou um porta moedas preto. De lá saiu notas e notas altas de dinheiro. Suas pequenas mâos tremiam da idade. Ao retirar o dinheiro para pagar, uma nota de cinquenta reais caiu no chão. A senhora não percebeu. Guardou o troco, pegou sua sacola e andou vagarosamente para porta. Atrás dela, e na minha frente, estava um jovem de vinte e poucos anos. Vestido de forma bem humilde, de calça jeans velha e notei que sua camiseta de malha branca surrada pelo tempo de uso tinha alguns furos. Suas mãos negras eram ressecadas e suas unhas roídas. Tinha um tênis velho sem cadarço. Ao chegar a sua vez, olhou para o chão e se deparou com a nota. Pegou o dinheiro do chão e ficou segurando-o. Pagou sua conta contando cada centavo que estava no bolso da calça. Tinha comprado dois pãezinhos e mortadela. Acompanhei aquele rapaz com os olhos para saber qual seria sua atitude. E, para minha surpresa e alegria, ele correu em direção a porta em busca da graciosa velhinha. Ela já estava quase na calçada, fora do estabelecimento. “Senhora!” – ele disse olhando pra baixo. “A senhora deixou cair essa nota.” Entregando-a ás mãos trêmulas da velhinha. Ela sorriu. Aquele mesmo sorriso que eu já tinha visto. Ele sorriu também. Ali estava a cordialidade dos segundos, a cumplicidade do momento e a verdade do respeito. Eu também sorri silenciosamente. Acreditei naquele rapaz e senti que ele representava a esperança de alguma coisa. Talvez daquela cidade, e digo mais, do mundo.
É essa beleza que quero acreditar toda vez que levando para um dia começar. Daquela simplicidade e humildade dos seres. Daquela virtude esquecida e muitas vezes pouco utilizada em nosso dia-a-dia. Onde as pessoas se respeitam, as crianças são vistas como almas puras, capazes não só de errar, como acertar. Acertar o mundo. Descomplicar o complicado. Temos muito o que aprender ainda. E, para isso, só os corações abertos e livres de preconceitos poderão exergar aquilo que só visto nas entre linhas. Temos que começar a treinar nossos olhos. Tenho certeza que podemos, basta só o primeiro passo.
¨A diferença entre o possível e o impossível está na vontade humana¨ Louis Pasteur